Propomo-nos a investigação das dinâmicas do desenvolvimento tecnológico desigual entre países centrais e periféricos, analisando os mecanismos históricos e estruturais que perpetuam a dependência tecnológica. A partir de um enfoque interdisciplinar — articulando Direito, Economia Política, Relações Internacionais, Estudos de Ciência e Tecnologia (ECT) e Teorias do Desenvolvimento —, o estudo examina aspectos geopolíticos, legais e filosóficos do desenvolvimento tecnológico.
O grupo possui os seguintes eixos de estudo e atuação:
A Teoria da Dependência na Era Digital
O presente eixo de pesquisa consiste em uma revisão crítica e aprofundada das principais teses clássicas provenientes da tradição teórica do pensamento dependente latino-americano, com destaque para as contribuições intelectuais de autores como Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Fernando Henrique Cardoso. Essas formulações, historicamente voltadas para a compreensão das relações desiguais entre centros e periferias no sistema capitalista mundial, são aqui revisitadas e reinterpretadas à luz dos novos padrões estruturais e dinâmicas contemporâneas de acumulação global, particularmente no que diz respeito aos fluxos transnacionais de tecnologia, inovação e propriedade intelectual. O objetivo central é investigar de que maneira os conceitos de dependência, subdesenvolvimento e transferência de mais-valor — outrora elaborados em contextos marcados por uma internacionalização produtiva centrada na indústria tradicional — podem ser reavaliados e eventualmente reformulados diante das transformações recentes no cenário da economia política global. Nesse sentido, busca-se examinar o papel crescente das tecnologias digitais, da inteligência artificial e da infraestrutura de dados como vetores de reprodução e intensificação das assimetrias entre países centrais e periféricos.
Parte-se da hipótese de que a chamada divisão internacional do trabalho tecnológico configura um novo arranjo estrutural de dominação, no qual os países do Sul Global encontram-se frequentemente relegados a posições subordinadas na cadeia global de valor tecnológico. Isso se manifesta tanto na forma de extração predatória de dados — muitas vezes coletados de populações desses países sem contrapartida significativa em termos de desenvolvimento local ou soberania tecnológica — quanto na comoditização da mão de obra técnica e qualificada oriunda dessas regiões, cujo conhecimento e criatividade são absorvidos por corporações multinacionais sediadas nos centros hegemônicos, sem que haja redistribuição equitativa dos ganhos econômicos ou avanços em direção ao desenvolvimento autônomo.
A análise visa problematizar a pertinência e atualidade das categorias clássicas para pensar os novos contornos do imperialismo tecnológico e da dependência científica no século XXI. Pretende-se, com isso, contribuir para a renovação do debate crítico sobre a inserção periférica na ordem global contemporânea, integrando perspectivas históricas com análises empíricas e prospectivas sobre os impactos socioeconômicos e políticos das transformações tecnológicas em curso.
Geopolítica da Tecnologia
Este eixo envolve mapeamento sistemático dos principais atores hegemônicos no cenário global contemporâneo — notadamente os Estados nacionais mais influentes e as grandes corporações transnacionais — bem como uma análise crítica dos instrumentos estratégicos por meio dos quais esses agentes exercem controle e dominação no campo tecnológico. Dentre esses mecanismos, destacam-se as sanções tecnológicas, os controles de exportação de bens e insumos estratégicos, e a definição de padrões globais em áreas críticas como as redes de comunicação sem fio de quinta geração (5G) e o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial.
O objetivo é compreender como essas práticas configuram novas formas de ordenamento e hierarquização no sistema internacional, reforçando posições de poder estabelecidas historicamente e limitando o acesso de países periféricos ou emergentes a tecnologias estratégicas e a mercados altamente concentrados. Nesse contexto, a pesquisa explora também o papel das instituições internacionais e dos regimes regulatórios técnicos na consolidação desses padrões, frequentemente sob a orientação de interesses corporativos e geopolíticos dos centros hegemônicos.
Como forma de concretizar essa análise teórica e estrutural, a investigação inclui o estudo de casos paradigmáticos, como a disputa tecnológica entre Estados Unidos e China no setor de semicondutores — emblemática da luta pelo controle de cadeias produtivas estratégicas e da capacidade de inovação avançada. Além disso, examina-se o impacto das articulações regionais e interestatais, tais como os blocos do BRICS e a União Europeia, sobre os processos de busca por autonomia tecnológica e soberania digital por parte de países que buscam reduzir sua vulnerabilidade às dinâmicas de exclusão impostas pelas potências dominantes. Este vetor de estudos visa avaliar as possibilidades e limites de resistência, cooperação e autodeterminação tecnológica no interior de uma ordem internacional marcada por crescentes tensões geopolíticas e pela concentração do conhecimento técnico-científico em poucas mãos.
Estratégias de Superação e Soberania Tecnológica
A presente atividade de pesquisa tem por objetivo identificar, mapear e analisar políticas públicas e modelos alternativos de desenvolvimento tecnológico que se contraponham aos padrões hegemônicos de dominação tecnológica global. Dentre essas estratégias, destacam-se iniciativas como o fomento ao software livre, a promoção de capacitação técnica e científica endógena — isto é, baseada no fortalecimento interno de competências e instituições locais — bem como a articulação de parcerias estratégicas entre países do Sul Global, visando à cooperação técnica, ao compartilhamento de conhecimento e à redução da dependência tecnológica em relação aos centros hegemônicos.
A investigação inclui uma análise crítica de experiências nacionais consideradas paradigmáticas no campo do desenvolvimento tecnológico autônomo. Casos como o da Coreia do Sul na consolidação de sua indústria de semicondutores, o papel da Índia como potência emergente no setor de tecnologia da informação e o esforço sistemático da China no registro e desenvolvimento de patentes tecnológicas serão examinados sob múltiplas perspectivas: as estratégias estatais envolvidas, os arranjos institucionais e produtivos adotados, os investimentos em educação e formação de recursos humanos especializados, bem como os mecanismos de proteção e incentivo à inovação local.
Este eixo de pesquisa busca prospectar possíveis caminhos para uma desglobalização estratégica e emancipatória no campo tecnológico. Essa abordagem implica a reconfiguração de cadeias produtivas e sistemas de inovação rumo a maior grau de autonomia relativa frente aos circuitos globais dominantes. Nesse sentido, explora-se a substituição de infraestruturas tecnológicas críticas — como redes de comunicação, sistemas de posicionamento global e satélites — por alternativas desenvolvidas localmente ou em cooperação regional. Paralelamente, investiga-se o potencial de construção de ecossistemas locais de inovação, capazes de integrar agentes públicos e privados, universidades, centros de pesquisa e empresas em torno de projetos coletivos de desenvolvimento tecnológico sustentáveis e socialmente relevantes.
Objetivos
- Produzir diagnósticos críticos sobre os obstáculos ao desenvolvimento tecnológico autônomo: Investigar e analisar as barreiras estruturais, econômicas, políticas e institucionais que impedem ou dificultam o avanço de capacidades tecnológicas independentes em países periféricos, com ênfase nos condicionantes globais e locais que reforçam a dependência tecnológica.
- Formular propostas de políticas públicas e estratégias econômicas para superar a subordinação periférica na divisão internacional do trabalho tecnológico: Desenvolver alternativas concretas de natureza política e econômica capazes de promover maior autonomia tecnológica, reduzindo a vulnerabilidade e a dependência dos países em desenvolvimento em relação aos centros hegemônicos de produção e controle da inovação.
- Fomentar e articular redes colaborativas de pesquisa comprometidas com a justiça tecnológica global: Incentivar a cooperação entre pesquisadores, instituições e movimentos sociais nacionais e internacionais com o objetivo de construir um campo de conhecimento solidário e engajado na promoção de uma distribuição mais equitativa dos benefícios e responsabilidades da revolução tecnológica contemporânea.
- Subsidiar a formulação e implementação de políticas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) em países em desenvolvimento: Oferecer análises, estudos e recomendações baseadas em evidências para apoiar a construção de políticas públicas robustas e adaptadas aos contextos locais, visando fortalecer os sistemas nacionais de inovação e sua capacidade de responder aos desafios socioeconômicos.
- Contribuir para os debates e processos de tomada de decisão na governança digital internacional: Participar ativamente de fóruns multilaterais propondo diretrizes e princípios para uma governança da internet e das tecnologias digitais mais democrática, inclusiva e respeitosa com os direitos soberanos dos Estados.
- Articular movimentos sociais e instituições públicas na defesa de uma agenda de democratização tecnológica: Promover a convergência entre diferentes atores da sociedade civil e agentes estatais para a construção coletiva de iniciativas que garantam acesso equitativo às tecnologias, participação cidadã nos processos decisórios e uso ético e socialmente responsável da inovação.